Publicado em: 19 de dezembro de 2022
Em meio a centenas de milhares de processos analisados ao longo de 2022 – ano marcado pela aprovação do filtro de relevância para a admissibilidade de recursos especiais –, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou 40 temas repetitivos, fixando teses jurídicas para serem aplicadas em casos semelhantes que tramitam pelos órgãos judiciários de todo o país.
Este texto resgata alguns dos entendimentos firmados no rito dos repetitivos que tiveram mais impacto no meio jurídico e no cotidiano dos cidadãos.
Outros três textos trazem um resumo das demais decisões com maior repercussão jurídica e social, divididas conforme as áreas de especialização dos colegiados do tribunal.
Em março, a Corte Especial concluiu o julgamento do Tema 1.076 dos ##recursos repetitivos## e, por maioria, decidiu pela inviabilidade da fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação ou o proveito econômico forem elevados.
O relator, ministro Og Fernandes, lembrou que as regras sobre honorários foram aprovadas pelo Congresso Nacional, e não cabe ao Poder Judiciário reduzir sua aplicabilidade.
Em seu voto, o relator explicou que o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 trouxe mais objetividade à questão dos honorários e que a regra da fixação por equidade, prevista no parágrafo 8º do artigo 85, foi pensada para situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, o proveito econômico da demanda é irrisório ou inestimável, ou o valor da causa é muito baixo.
“A propósito, quando o parágrafo 8º do artigo 85 menciona proveito econômico ‘inestimável’, claramente se refere àquelas causas em que não é possível atribuir um valor patrimonial à lide (como pode ocorrer nas demandas ambientais ou nas ações de família, por exemplo). Não se deve confundir ‘valor inestimável’ com ‘valor elevado'”, afirmou Og Fernandes.
Outro ##repetitivo## julgado pela Primeira Seção decidiu que os governos não podem alegar excesso de gasto com pessoal para negar progressão funcional com base na Lei de Responsabilidade Fiscal. Para o colegiado, condicionar a progressão a situações não previstas em lei acaba transformando o direito do servidor público em ato discricionário da administração (Tema 1.075).
O relator dos recursos levados a julgamento foi o desembargador convocado Manoel Erhardt. Em seu voto, ele explicou que a progressão é direito subjetivo do servidor público, decorrente de determinação legal, e está compreendida na exceção prevista no inciso I do parágrafo único do artigo 22 da Lei Complementar 101/2000.
Ele destacou que a progressão, embora represente acréscimo no vencimento, não pode ser confundida com a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação na remuneração. De acordo com o magistrado, o incremento no vencimento é inerente à movimentação do servidor na carreira e não inova o ordenamento jurídico, em razão de ter sido instituído em lei prévia, diferentemente dos aumentos aos quais se dirigem as vedações da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A Segunda Seção, no julgamento de dois temas repetitivos, definiu teses sobre planos de saúde coletivos. No Tema 1.082, o colegiado decidiu que a operadora deve custear tratamento de paciente grave mesmo após rescisão do plano coletivo. Para os ministros, a assistência médica nesses casos deve ser mantida até a alta do paciente, desde que ele arque com as mensalidades.
A relatoria coube ao ministro Luis Felipe Salomão. Ele explicou que, embora os planos coletivos tenham características específicas, e o artigo 13 da Lei 9.656/1998 seja voltado para os contratos individuais ou familiares, o dispositivo também atinge os contratos grupais, de forma a vedar a possibilidade de rescisão contratual durante internação do usuário ou tratamento de doença grave.
Salomão destacou que a regra do artigo 13 proíbe a suspensão de cobertura ou a rescisão unilateral imotivada do plano, por iniciativa da operadora. De acordo com o dispositivo, apenas quando constatada fraude ou inadimplência é que o contrato poderá ser rescindido ou suspenso, mas, para isso, é necessário que o paciente não esteja internado ou submetido a tratamento garantidor de sua incolumidade física.
Já no julgamento do Tema 1.016, a Segunda Seção reconheceu a validade do reajuste por faixa etária em planos de saúde coletivos. O colegiado considerou que as teses fixadas em outro ##repetitivo## (Tema 952) também são válidas para os planos coletivos, ressalvada a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às entidades de autogestão.
O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que o STJ já estabeleceu tese sobre a validade dos reajustes por faixa etária, aplicável aos planos individuais ou familiares.
Segundo o magistrado, embora o Tema 952 tenha sido firmado para os planos individuais e familiares, as razões de decidir do respectivo ##recurso repetitivo## contêm argumentação abrangente, que não se limita às particularidades desses tipos de plano de saúde. Em função disso, afirmou, o entendimento passou a ser aplicado no STJ, por analogia, aos planos coletivos – os quais, inclusive, existem em maior proporção.
Dois repetitivos abordaram a questão do aumento de pena para o autor de furto praticado durante a noite (artigo 155, parágrafo 1º, do Código Penal). No primeiro deles (Tema 1.144), a Terceira Seção considerou que o aumento de pena em um terço exige apenas que o furto tenha ocorrido durante o repouso noturno.
Para os ministros, são irrelevantes circunstâncias como as vítimas estarem ou não dormindo na hora do crime, ou ele ser praticado em estabelecimento comercial, via pública, residência desabitada ou em veículos – “bastando que o furto ocorra, obrigatoriamente, à noite e em situação de repouso”, afirmou o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do recurso levado a julgamento.
Ao analisar o Tema 1.087, a Terceira Seção estabeleceu que a causa de aumento de pena pela prática de furto no período noturno não incide na forma qualificada do crime, prevista no artigo 155, parágrafo 4º, do Código Penal. Esse julgamento marcou uma mudança de posicionamento jurisprudencial do STJ.
Relator do ##repetitivo##, o ministro João Otávio de Noronha lembrou que, em 2014, o STJ adotou o entendimento de que a causa de aumento era aplicável tanto à forma simples quanto à forma qualificada do delito de furto.
No entanto, ele apontou que o parágrafo 1º do artigo 155 do CP se refere à pena de furto simples, prevista no caput, e não à do furto qualificado, descrita três parágrafos depois.
Conforme Noronha, para que fosse considerada aplicável essa majorante no furto qualificado, o legislador deveria ter inserido o parágrafo 1º do artigo 155 após a pena atribuída à forma qualificada – o que não ocorreu.
Em outro repetitivo, a Terceira Seção decidiu que o uso de arma branca no roubo pode justificar a sanção mais gravosa. Para o colegiado, cabe ao juiz da causa – e não ao STJ – decidir sobre a aplicação da circunstância do uso da arma branca na primeira fase da dosimetria (Tema 1.110).
Com a mudança legislativa a favor do réu (novatio legis in mellius) estabelecida pela Lei 13.654/2018, os ministros concluíram que o emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento no crime de roubo, poderá ser utilizado como fundamento para a majoração da pena-base, quando as circunstâncias do caso concreto o justificarem. O relator do caso foi o ministro Joel Ilan Paciornik.
Para a Terceira Seção, o direito à não autoincriminação não pode ser invocado para justificar a conduta do motorista em situação irregular que tenta fugir do policiamento. Por isso, o colegiado decidiu que o motorista que não acata a ordem de parada da polícia em contexto de policiamento ostensivo comete crime (Tema 1.060).
O relator do recurso representativo da controvérsia, ministro Antonio Saldanha Palheiro, explicou que, para a jurisprudência do tribunal, o direito à não autoincriminação não é absoluto, motivo pelo qual não pode ser invocado para justificar condutas consideradas penalmente relevantes pelo ordenamento jurídico.
“O entendimento segundo o qual o indivíduo, quando no seu exercício de defesa, não teria a obrigação de se submeter à ordem legal oriunda de funcionário público pode acarretar o estímulo à impunidade e dificultar, ou até mesmo impedir, o exercício da atividade policial e, consequentemente, da segurança pública”, afirmou.
Fonte:STJnotícias