Publicado em: 14 de setembro de 2022
Por maioria, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que as medidas coercitivas atípicas – como a apreensão de passaporte de pessoa inadimplente – podem ser impostas pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso cumprir a obrigação do que, por exemplo, não poder viajar ao exterior.
Com esse entendimento, o colegiado negou habeas corpus a uma mulher que pretendia reaver seu passaporte, apreendido há dois anos como medida coercitiva atípica para obrigá-la a pagar uma dívida de honorários advocatícios de sucumbência.
Segundo os autos, a mulher, sua filha e seu genro perderam uma ação judicial e foram condenados, em abril de 2006, ao pagamento de honorários advocatícios estipulados, na época, em R$ 120 mil. O valor atualizado da dívida, com juros e correção monetária, é de R$ 920 mil.
Na execução movida pela advogada credora dos honorários, foi alegado que a mãe e a filha eram empresárias do ramo de petróleo e combustível e que havia muitas outras execuções ajuizadas contra elas.
Como, passados mais de 15 anos do início do cumprimento de sentença, a dívida não foi paga e não houve o oferecimento de bens à penhora pelos executados, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a ordem judicial de retenção dos passaportes.
Para quitar a dívida e liberar o documento, a paciente no habeas corpus submetido ao STJ ofereceu 30% de seus rendimentos como aposentada e pensionista – o que significaria um pagamento mensal de aproximadamente R$ 1,5 mil.
Diante disso, a relatora do voto que prevaleceu no colegiado, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, mesmo que o valor de R$ 920 mil não fosse mais atualizado ou corrigido a partir de 2022, seriam necessários 601 meses, ou 50 anos, para a quitação total da dívida.
A ministra ressaltou que a devedora tem 71 anos de idade e que a expectativa média de vida dos brasileiros, de acordo com o IBGE, é de 76,8 anos. Para Nancy Andrighi, “é bastante razoável inferir que nem mesmo metade da dívida será adimplida a partir do método sugerido pela paciente, de modo que está evidenciada a absoluta inocuidade da medida”.
Segundo a relatora, essa proposta “é até mesmo desrespeitosa e ofensiva ao credor e à dignidade do Poder Judiciário, na medida em que são oferecidas migalhas em troca de um passaporte para o mundo e, quiçá, para a inadimplência definitiva”.
Nancy Andrighi salientou que as medidas executivas atípicas, sobretudo as coercitivas, não superam o princípio da patrimonialidade da execução e nem são penalidades judiciais impostas ao devedor.
De acordo com a ministra, as medidas atípicas “devem ser deferidas e mantidas enquanto conseguirem operar, sobre o devedor, restrições pessoais capazes de incomodar e suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, todos bancados pelos credores”.
A limitação temporal das medidas coercitivas atípicas, segundo a relatora, é questão inédita no STJ. Para ela, não deve haver um tempo fixo pré-estabelecido para a duração de uma medida coercitiva, a qual deve perdurar pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor.
“Não há nenhuma circunstância fática justificadora do desbloqueio do passaporte da paciente e que autorize, antes da quitação da dívida, a retomada de suas viagens internacionais”, concluiu Nancy Andrighi.
Fonte:STJnotícias