Publicado em: 17 de agosto de 2018
O último dia do XIII Seminário Internacional Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos foi marcado por debates a respeito de temas como a internacionalização do direito, a imisção entre famílias do direito, os direitos autorais e a história do direito. Na tarde desta sexta-feira (17), quatro painéis fomentaram as discussões.
Nesta edição, o evento teve como tema “Perspectivas do Direito no Século XXI: no Direito Civil e em Microssistemas (os direitos autorais, do consumidor, compliance e digital)”. O seminário foi promovido pelo Instituto Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos, com apoio do STJ, do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJF), da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Enfam), da Universidade de Coimbra, da Libera Università Maria Santissima Assunta (Lumsa de Roma) e da Universidade de Santiago de Compostela.
Internacionalização
O primeiro painel da tarde foi dedicado ao tema “A Internacionalização do Direito e a Imisção entre Famílias do Direito (Common Law e Romano-Germânica, em especial) no Nosso Tempo – I”, e teve a presidência da ministra Maria Thereza de Assis Moura. Na abertura, a advogada e professora da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso traçou um panorama histórico sobre a proteção do direito de propriedade, com marco inicial no direito romano.
De acordo com a professora, o direito romano protegia principalmente a res, a coisa tangível, e não o bem imaterial, por isso o direito de propriedade não foi debatido naquele momento. Todavia, explicou, já havia no período indícios de sua potencial proteção, a exemplo dos pintores da antiga Pompeia, que eram chamados por magistrados para opinar se concordavam com a modificação de suas obras.
Na sequência, a professora destacou importantes momentos históricos na evolução do direito de propriedade, a exemplo da Convenção da União de Paris para proteção da propriedade industrial (1883) e da Convenção de Berna, relativa à proteção das obras literárias e artísticas (1886). Mais recentemente, o tema também ganhou especial atenção com a criação da Organização Mundial do Comércio.
“Os direitos de propriedade intelectual são os direitos mais internacionais que existem. Não existe outro campo de direito das pessoas mais internacionalizado do que esse”, afirmou.
O segundo painelista, professor Álvaro Iglesias, da PUC Campinas, destacou que o atual quadro de imisção, de mistura, entre diferentes sistemas jurídicos não é um fenômeno novo, tendo sido observado inclusive nos momentos em que os impérios se expandiam e dominavam novas cidades, absorvendo sua cultura.
“O que estamos vivendo agora é, evidentemente, a exacerbação trazida para a mistura dos sistemas, pela globalização – as invenções e a tecnologia nos permitiram viver nessa mesma aldeia global”, apontou o professor.
Soluções inovadoras
Presidido pelo ministro Mauro Campbell Marques, o painel “A Internalização do Direito e a Imisção entre Famílias do Direito (Common Law e Romano-Germânica, em especial) no Nosso Tempo – II” contou com a participação do advogado Antenor Madruga, doutor em direito internacional pela USP. Ele destacou a velocidade com que os sistemas jurídicos colidem na sociedade global.
Segundo Madruga, a Operação Lava Jato apresenta algumas soluções inovadoras no ordenamento jurídico brasileiro. “Olhem algumas sentenças do juiz Sérgio Moro, e de outros juízes também, que, não encontrando soluções para alguns dos problemas, vão buscá-las em precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos. É cada vez mais comum recorrer a soluções dadas em outros sistemas”, concluiu o advogado.
O segundo painelista, Márcio Garcia, consultor legislativo e professor do Instituto Rio Branco, ressaltou o crescimento da internacionalização do direito com o aumento da adesão do Brasil aos tratados internacionais, que passou de 57 no romper do século passado para mais de 2 mil atualmente.
O consultor legislativo também destacou os desafios em conciliar as decisões de tribunais internacionais e estrangeiros com as dos tribunais de direito interno.
“O Supremo Tribunal Federal decidiu recepcionar a Lei de Anistia pela nova Constituição. Há poucas semanas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, à qual o Brasil soberanamente se vincula, disse que o caso Vladimir Herzog é um crime contra a humanidade, imprescritível. O Brasil disse que a decisão não é compatível. Então temos que entender o que Brasil vai fazer”, questionou.
Direitos autorais e mudanças sociais
O ministro do STJ Jorge Mussi presidiu o painel que tratou do tema “Sanções Penais por Violação a Direitos Autorais”. O ministro destacou que, com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Estatuto do Idoso, o brasileiro passou a buscar muito mais o Judiciário. “Isso é um exercício de cidadania, mas também um desafio, pois hoje há um processo para cada três brasileiros”, observou.
O ministro afirmou que o CDC e o combate à pirataria de produtos estão relacionados à defesa dos direitos autorais, e que a sonegação dos impostos nessa área chega a R$ 345 bilhões. O STJ, segundo ele, tem enfrentado essas práticas, mesmo com sanções não típicas para crimes patrimoniais, “mas adequadas do ponto de vista social”.
O primeiro painelista, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou que a pirataria envolve várias questões, algumas de cunho social. “Até que ponto devemos punir um ambulante, um camelô, por vender CDs ou outras mídias?”, indagou. O magistrado acrescentou que a Terceira Seção do STJ consolidou entendimento de que a pirataria pode ser tipificada penalmente, mesmo com uma cultura de tolerância sedimentada sobre pequenas ilicitudes contra direitos autorais.
Ele citou o caso em que foram apreendidos 1.500 CDs pirateados e foi pedida perícia em cada um deles como condição para caracterizar o tipo penal. “Nossa Súmula 574 estabeleceu que uma perícia amostral é o suficiente para tipificar o delito”, disse o ministro.
O segundo palestrante, Otávio Augusto de Almeida, desembargador e professor da Escola Superior de Advocacia, destacou que o artigo 184 do Código Penal prevê pena de até quatro anos para a pirataria. “Mas a situação tem várias nuances, especialmente com o advento da internet e a distribuição por streaming em sites como Vimeo e YouTube”, destacou.
Uma das questões é o chamado fair use, para a divulgação de programas abandonados ou vídeos sem um mercado desenvolvido. “Um caso famoso foi o do Brasil Anime Club, nos anos 1990, que distribuía as antigas fitas VHS com animação japonesa com legendas feitas por fãs. Eles não tinham lucro e ajudaram a criar um mercado para animes no Brasil”, informou. “Há casos em que o crime pode beneficiar a vítima. O julgador deve ser sensível para essas situações, que podem ser bens sutis”, acrescentou.
História do direito
No último painel do seminário, o tema debatido foi “Direito e a História do Direito”. A mesa foi presidida pelo vice-presidente do STJ, ministro Humberto Martins.
Na primeira palestra, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Ibsen Noronha fez breves considerações sobre a história do direito brasileiro e português.
Segundo ele, a história do direito revela os sinais de evolução das instituições. “Ascensão e queda no tempo vislumbradas pela história jurídica são muito recomendáveis tanto aos neófitos que ingressam nas faculdades de direito quanto àqueles que, já formados, resolveram devotar a sua vida à busca da justiça”, afirmou.
O último painelista do encontro foi o professor Rui de Figueiredo Marcos, também catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra. Especialista nos estudos da história jurídica, com obras publicadas a respeito do tema, Rui de Figueiredo fez uma comparação entre a trajetória do direito no Brasil e em Portugal e traçou um panorama do direito da família português desde o início do século XX até as evoluções mais recentes.
Segundo Rui de Figueiredo Marcos, atualmente Portugal debate novos estatutos jurídicos, como a lei do maior acompanhado, que pretende dar autonomia a pessoas idosas para que escolham um mandatário da sua confiança para se responsabilizar por elas em caso de doença degenerativa, como o Alzheimer.
“A historicidade do direito civil, muito especial a do direito da família, não representa o eco de uma voz remota que atravessa indiferente os séculos perdidos no tempo infindo. Pelo contrário. Foi sucessivamente ganhando os séculos para si e no mesmo passo conformando-se ao seu jeito. Os traços do direito da família marcam épocas e dão-lhe um rosto que aos nossos olhos podem surgir mais ou menos familiares. Sob influências astrais, da religião, da moral e também de uma estratégia política vanguardista”, concluiu.
Encerramento
Ao encerrar as atividades do seminário, o ministro Humberto Martins destacou que o evento já faz parte do calendário jurídico brasileiro como um marco dos estudos de direito comparado e cumpriu com o seu objetivo de fomentar o debate e a troca de ideias.
Segundo o ministro, os diversos temas abordados nos dois dias de seminário mostraram como as transformações da sociedade estão ocorrendo de forma cada vez mais rápida. “As novas tecnologias evoluem cada vez mais rápido e o direito, como ciência de normatização das atividades humanas, deve se transformar, acompanhando o ritmo frenético das mudanças que impactam a vida das pessoas”, disse.
O coordenador científico do evento, professor Carlos Fernando Mathias, que preside o Instituto Ítalo-Ibero-Brasileiro de Estudos Jurídicos, agradeceu aos juristas brasileiros, italianos, espanhóis e portugueses que participaram do encontro e afirmou que, mais uma vez, foi atingido o objetivo de promover o intercâmbio de ideias sobre diversos temas do direito nacional e internacional.
Fonte:STJnotícias